quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O NATAL E A ÁRVORE DA VIDA








LUIZ MARTINS DA SILVA


Era adolescente, quando me emprestaram um livro que contava a história da árvore de Natal. Existirão muitas versões, pois trata-se de tema avançado no imaginário popular. A que li referia-se simplesmente à iniciativa de uma família que em busca de algum ornamento para a sala de visitas saiu, neve afora, comovendo-se especialmente de um pinheirinho sobrevivente do rigoroso inverno e ainda mais lindo depois de acomodado no aconchego doméstico e acercado pelas embalagens coloridas dos presentes a serem trocados na noite do nascimento do menino Jesus.

Tão radiante ficou o arvoredo, que os vizinhos imitaram o gesto e, no Natal seguinte, já eram muitas as famílias que iniciaram a tradição, hoje, desgarrada de sua simplicidade original e transformada no luxo e na grandiosidade vistos todo ano nos shoppings do mundo inteiro, ostentação por vezes objeto de concursos promovidos por associações para distinguir as melhores decorações do comércio no contexto das “Boas Festas" e do Ano Novo.

Existiriam, no entanto, razões afetivas profundas para esse gosto que veio a constituir prática quase indispensável: nos lares, nos templos, nas instituições, no comércio e onde quer que se queira marcar uma ambientação natalina, rivalizando apenas com os não menos populares presépios. Ou seja, algo não entra para o imaginário coletivo e para duas de suas fortes marcas – diferença e repetição –, se não reunir elementos enraizadores cuja explicação recorre a fundamentos da Psicologia Social.

E foi justamente nas lides com a literatura acadêmica que vim a estabelecer uma correlação entre a força primordial da “árvore da vida”, uma das mais antigas manifestações arquetípicas da produção humana de símbolos, e este patrimônio imagético e fantástico que é a ‘nossa’ tão estimada árvore de Natal. Da tradição ainda mais antiga, originária, ao que tudo indica, da cultura indo-europeia, a principal característica – que deslizou para a heráldica e seus brasonários –, é a concorrência de elementos laterais para a homenagem de um terceiro, este, ao centro e ao alto. Exemplo típico, dois pombinhos, face a face, cujos bicos se tocam e cujos contornos formam um coração. A própria estrutura do caduceu comporta toda uma variedade de enlaces que adornam um cetro. Vejamos, no entanto, se o mesmo não acontece com a ‘nossa’ arvorezinha.

Ainda que se assemelhe a um triângulo, com a base para baixo, os dois lados da árvore de Natal convergem para o alto e, comumente, para uma estrela ao centro, homóloga à estrela dos Reis Magos. Triângulo, estrela, esferas e luzes combinam-se em tesouro ornamental, que tanto marca em diferença (em contraste com todas as outras árvores, ela é uma árvore sagrada) e em repetição: a eterna novidade, ao mesmo tempo antiga e renovada, simbolizando a vida, que também se renova, em gerações, significado e esperanças.


domingo, 16 de novembro de 2014

ENTRE ASPAS- MANOEL BARROS


"Um girassol se apropriou de Deus: foi em
Van Gogh."

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

segunda-feira, 28 de julho de 2014

AS INCERTEZAS DA COR- CONTO





"Não procure entender, viver ultrapassa qualquer entendimento"
                                                                                                    Clarice Lispector



TOC –TOC – Eis que, subitamente, alguém bate à porta.

As pessoas, ao tempo de nossos avós, passavam pelo mundo com o carimbo de “sistemáticas” quando tinham manias peculiares. Os comportamentos repetitivos como apoiar-se no pé direito antes de sentar, lavar infinitamente as mãos depois de tocar em certos objetos, provocavam um começo de riso, e se não causavam grandes transtornos eram apenas adjetivos que ornamentavam a personalidade de quem as possuía.
O problema é quando o copo transborda. Não há como lembrar em que dia o rio atingiu a ponte. No momento seguinte, estamos diante de um estranho que insiste em perseguir formigas imaginárias, e em bater constantemente a faca sobre a pia da cozinha. Dizem os tratados de psiquiatria, que os sinais silenciosos da compulsão convivem com a família durante muito tempo, até que todos os olhares voltam-se ao mesmo tempo para um único ponto: e os dias... os dias seguintes não serão jamais os mesmos.


AS VIAGENS DE GULLIVER

Maria Alma mora na casa de telhado vermelho no final da rua que termina sob as sombras das árvores. Enquanto o bairro arde sob um sol abrasador, as tardes amenas contornam o jardim e a pequena fonte desce sulcos sobre o estreito caminho de pedras. A mulher dobra as toalhas da cômoda e observa o menino, deitado sobre as folhas de papel, que risca montes, rios, cidades. Vai à cozinha e trás um copo de água e o coloca no chão, ao lado da mão esquerda, sempre fechada. Tem saudades do outro menino, que sumiu sem despedida. Imergiu pra sempre no labirinto profundo do sono. Ela viu os braços dele crescerem como galhos de árvores e os ombros curvarem-se quando a cabeça ameaçou atingir o teto. A mobília foi pisoteada pelos pés grandes, ávidos pela saída da porta. Antes de partir, o estranho apoiou as mãos na entrada e olhou como quem olha a profundeza de um poço seco e turvo.
Maria Alma sentiu soprar rente ao rosto o bafo morno de um futuro implacável, injusto como o muro negro da morte. Foi lá fora, procurou em todas as direções. As esquinas desabitadas murmuraram   apenas o ruído de seus próprios sapatos. Um dia ele volta, eu sei que volta, pensou.


TETO DE LÍTIO

Às vezes, e quase sempre, olhamos o quintal da casa ao lado e ouvimos o som harmonioso e irritante de um coro de anjos. A fotografia de uma família vestida de branco, ganha movimento em direção a uma mesa florida, meticulosamente arrumada. Olhamos o lado de cá: o quarto revirado, a bandeja de café com os comprimidos ao lado da xícara de leite. Se todos os frascos vazios, tomados ao longo dos anos fossem colocados numa caixa, ora isso daria para...
– Pode levar, não vou tomar mais remédio.
– Você precisa. Você toma isso desde os onze anos, não pode parar de repente.
– Não vou tomar mais, já disse.
– Você vai ficar nervoso, e ter de novo os sintomas de TOC.
– Sai daqui com isso!
– Você está gritando!
– Você é que está gritando!

Ouve o arremesso da porta estremecer as paredes. Depois de tanto tempo, trine, de volta o sibilar da serpente que baba veneno na pia da cozinha. Ouve o barulho do recolher das asas das corujas que voltam a dormir no teto. Com o passar dos anos aprendeu que o outro menino não vai mais voltar. Que o estranho que revirava as gavetas e batia com frenesi a cabeça na parede, engoliu o menino de uma única vez. Aprendeu que quando amanhece, ele volta à estatura normal, abre os braços e pede perdão ao mundo.
Aqui dentro, um rapaz aumenta o som ensurdecedor de uma música áspera que ela não decifra. Canta um rosnado rouco e longo, grita versos e rodopia pela casa. Arremessou os medicamentos pela janela e diz ouvir a voz dos anjos e visitar o demônio em dias ímpar. Lá fora, é possível, pela fresta, ver apenas a ponta do sapato masculino, as malas e muitas caixas, o que denuncia que este veio para ficar. Maria Alma suspira fundo. Agora, depois de tanto tempo, tudo que conseguiu entender ameaça perder forma e cor. O silêncio confunde-se com o som estridente das cigarras. Sente o assoalho deslizando devagar e não tenta se agarrar em nada. Não sabe dizer as horas e o dia da semana. Não sabe dizer de que cor Deus tingiu o céu.

Luisa Ataíde

domingo, 6 de julho de 2014

DÉJÀVU









Às vezes, chegam-me refletidas das memórias; fotografias.

São nítidos lugares, cenas matinais, rostos e jardins.

Pontes em arcos, rio lento deslizando entre eles.

Chegam-me em  flashes:  degraus de escadas e quintais.

Silencio e observo a fumaça das cores diluírem-se com as águas do rio.

Em que lugar das lembranças escondem-se esses dias

Onde ficaram escritos, em que livros se perderam.

Em que paredes  ocultas  amordaçaram-se no corredor 

dos séculos, os fragmentos vitrais das vidas
.



Luísa Ataíde

domingo, 27 de abril de 2014

MEUS LIVROS



LUIZ MARTINS DA SILVA





Meus primos congênitos,

Minhas leais companhias,

Agora, minha licença,

Para lhes agradecer tanta luz

A iluminar minha existência.




Para mim foram abrigos, portos,

Refúgios para os padecimentos de 

navegante.

Febres endêmicas em certas paragens da 

condição humana,

De se estar sempre a decifrar senhas e 

sendas,

seguindo a intuitiva fé no clarão que nos leva ao sonhado horizonte,

mas nevoeiro confundindo bem e mal num veludo indistinto.



Quantas travessias!

Mas quantos amigos!

A me servir de bússola,

Guia, farol, esperança.



Meus livros, dos quais

 mais dia menos dia

só me restarão patrimônio imaginário,
 
arca imensa de tesouro camuflado em fantasia.


Meus livros,

que lhes poderei prometer senão o fiel intento

de rogar para que lá estejam, também na biblioteca do sempre,

essa infindável sucessão de estantes de lembranças.


Entre corredores infinitos lá estarei vagando, silhueta míope,

ainda atrás d’A Grande Obra, a maior de todas as referências.


Quem sabe, nessas imaginárias andanças,

possa até me deparar com tantos ilustres caminhantes:

Machados, Borges, Pessoas, Florbelas, Cervantes…

E, finalmente, contemplar apaziguados entre os anjos,

Graciliano e Augusto redimindo meus temores de infância.



E lá, no fundo dessa incomensurável Alexandria,

um Ancião, curvo, mão e lupa, a folhear 

compêndios,

absorto astrônomo a identificar estrelas até bem 

pouco inexistentes.

AS INCERTEZAS DA COR- útimas postagens

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