quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A ÁGUIA E A GALINHA






 LEONARDO BOFF

Era uma vez um grande educador de nome James Aggrey, cujos alunos caminhavam quilômetros, milhas, para escutar suas palavras de sabedoria. Certo dia, perante uma audiência repleta o professor contou a seguinte história:
“Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa e conseguiu pegar um filhote de águia e deu-lhe de comer milho e a ração própria para gali­nhas; muito embora, as águias como rainhas de todos os pássaros, a princípio, não se contentassem com tão pouco. Cinco anos se passaram até que certo dia, o camponês recebeu em sua casa a visita de um naturalista e, enquanto os dois passeavam pelo jardim, o último disse:
- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
-De fato - disse o camponês. É uma águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, ape­sar de suas asas terem quase três metros de extensão.
- Não - retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia e seu coração a fará um dia voar às alturas.n
-Não, não - insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.
Então ambos decidiram fazer uma prova. O natura­lista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
- Já que és de fato uma águia, já que pertences ao céu e não à terra, abre, então, tuas asas e voa!
A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista, olhando distraidamente ao redor e ao ver as galinhas que estavam abaixo dela ciscando grãos, pulou e juntou-se a elas.
Em vista disso, o camponês retrucou:
- Não te disse, ela virou uma simples galinha!
- Não!, tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Amanhã, vamos experimentar de novo.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia ao teto da casa e sussurrou:
- Águia, já que tu és uma águia, abre tuas asas e voa!
Mas quando a águia viu as gali­nhas, ciscando o chão, mais uma vez, pulou e foi para junto de­las.
O camponês sorriu e voltou à carga:
- Eu te disse, ela virou uma galinha!
-Não - respondeu firmemente o naturalista.- Ela é águia, e sempre terá um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã eu a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, ao alto de uma montanha, longe das casas dos ho­mens. O sol nascente dourava os picos das montanhas.
O naturalista ergueu a águia para o alto e or­denou-lhe:
- Águia, já que tu és uma águia, já que tu
pertence ao céu e não à terra, abre tuas asas e voa!
A águia olhou ao redor. Tremia como se expe­rimentasse nova vida. Mas não voou. Então o na­turalista segurou-a firmemente, para que mirasse em direção ao sol, para que seus olhos se enchessem da claridade solar e da vastidão do horizonte.
Nesse momento, a águia abriu suas grandes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar em direção ao alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou..., até confundir-se com o firmamento...”.
O professor Aggrey, ainda extasiado, exclamou:
“- Queridos alunos! Nós fo­mos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas há pessoas que nos fazem pensar como galinhas. E muitos de nós acreditamos que somos nada além de galinhas. Mas somos águias. Por isso, abram suas asas e voem. Voem como águias e jamais se contentem com os grãos que são jogados aos pés”.

Gentilmente enviado por Keila Abreu.

domingo, 24 de maio de 2015

CASA ARRUMADA



LENA GINO

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?

 Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

 Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.


imsgem do site: 50 e mais.com.br

domingo, 22 de fevereiro de 2015

domingo, 25 de janeiro de 2015

NAS MARGENS DO GANGES- CONTO







Tagore

Se gostas de ouvir narrações dos tempos passados, então senta-te nesse degrau e presta atenção ao chapinhar da água.
Estávamos nas proximidades do mês de Ashwin (Setembro).A ribeira ia cheia. Da escadaria que descia, somente quatro degraus estavam fora da água. Na margem da ribeira cresciam tufos de plantas compactos sob os ramos dos bosques de mangueiras, onde a corrente formava um ângulo e deixava a descoberto três grandes montões de tijolo. 

As barcas de pesca, amarradas aos troncos de babilas, balouçavam-se indolentemente. Os grandes caniços que cobriam o banco de areia captavam os primeiros raios de sol e começavam a florir antes de atingir o seu pleno desenvolvimento.


Os barcos abriam as suas velas sobre a ribeira cheia de sol. O sacerdote, com os seus vasos rituais, dispunha-se a tomar o banho. As mulheres, em grupos, vinham buscar água. Era a hora em que Kusum tinha o costume de aparecer no alto da escadaria e tomar banho.

Mas naquela manhã não a vi chegar. Diante do ghât (escadaria onde se toma banho), Bhudan e Swarno lamentavam-se. A sua amiga - diziam - tinha sido levada para casa do marido, uma localidade muito afastada da ribeira, e que se distinguia por uma população estranha, casas estranhas e caminhos estranhos.Entretanto ela quase desapareceu da minha memória.  

Passou um ano. As mulheres que vinham tomar banho falavam novamente de Kusum. Uma tarde, porém, estremeci ao reconhecer dois pés familiares. Mas ai, eles não traziam anéis e tinham perdido o seu tilintar musical de outrora!
Kusum estava viúva. Dizia-se que o marido fora chamado a uma cidade longínqua e que ela apenas o vira uma ou duas vezes. O correio trouxera-lhe a notícia da sua morte. Viúva aos oito anos, apagara na fronte o sinal vermelho de casada, despojara-se dos seus braceletes e voltara para a velha casa à beira do Ganges. Mas encontrou poucas amigas dos tempo de solteira. Bhudan, Swarno e Amala tinham casado e partido; só Sarat ficara; mas afirmavam que se dispunha a casar em Dezembro.
Da mesma forma que o Ganges, na estação das chuvas aumenta gradualmente de volume e transborda, assim Kusum se aproximava, dia a dia, da plena floração de beleza.Mas com vestes brancas e sem enfeites, de rosto pensativo e atitude calma, lançavam-lhe um véu sobre a juventude e ocultavam-na, como uma bruma, aos olhos dos homens. Dez anos tinham decorrido sem que ninguém reparasse que Kusum se desenvolvia.

Numa manhã, há muitos anos e por esta mesma temperatura de fim de Setembro, um sannyasi (monge) jovem e de pele clara, chegado não se sabe donde, veio abrigar-se no templo de Sivá, na minha frente. A notícia da sua chegada em breve se espalhou por toda a aldeia. Abandonando as bilhas, as mulheres acorriam ao templo para saudar o santo homem.

A multidão aumentava de dia para dia. A fama do sannyasi depressa se espalhou entre as mulheres. Ele, ora recitava o Bhagvat ora comentava o Gita, ou pregava no templo acerca do tema que escolhiam num livro santo. Uns pediam-lhe conselhos, outros os seus sortilégios ou a sua ciência de curar.

Passaram-se meses. Em Abril, na época do eclipse solar, os banhos do Ganges atraíam uma multidão considerável. Uma feira se organizou sob as árvores de babla. Entre os numerosos peregrinos, acorridos para saudar o sannyasi, vinha um grupo de mulheres da aldeia onde Kusum fora casada.


Era uma manhã. O sannyasi, sentado num degrau, rezava, quando, de súbito, entre os peregrinos, uma mulher fazendo sinal a uma das suas companheiras, murmurava: 

- Mas é o esposo de Kusum!
A companheira, afastando um pouco o véu exclamou:
- Palavra, é bem ele! É o filho mais novo dos Chattergi, que habita na minha aldeia!
Uma terceira, disse por sua vez:
- Ele tem exactamente a mesma testa, o mesmo nariz e os 
mesmos olhos.
Enquanto uma outra, sem mesmo olhar para o sannyasi, 
agitava a sua bilha na água, suspirando:
- Ai! Ele não é nem será o que foi! Pobre da Kusum!
Uma delas objectou então: «Ele não tinha uma barba tão 
grande»; e outra: «Ele não era tão magro»; uma outra ainda:
«Parecia-me mais alto». E a discussão ficou por aí. 

Uma noite de lua cheia, Kusum veio sentar-se perto da água, no mais alto dos meus degraus.

A sua sombra projectava-se sobre mim.Estávamos sós junto do ghât. Os grilos cantavam à nossa volta. O tanger dos gongos e das sinetas do templo tinham 
cessado e o murmúrio da água era cada vez mais fraco, para se perder em breve, como a saudade dum som, nos bosques indistintos da margem oposta. Um raio da lua brilhava nas águas escuras do Ganges. Ao montante do rio, sob as sebes e arbustos, sob o pórtico do templo e sob os bosques das palmeiras, perfilavam-se sombras de formas fantásticas. Os morcegos balouçavam-se nos ramos de chatuns. Na proximidade das habitações, os chacais soltavam uivos arrepiantes e prolongados.

O sannyasi saiu do templo com o seu passo lento. Desceu alguns degraus ghât e viu uma mulher só. Ia afastar-se quando de súbito Kusum ergueu a cabeça; voltou-se. O véu caiu e a lua iluminou-lhe o rosto.

Um mocho voou por cima da sua cabeça. Ao ouvir o pio da ave ela estremeceu, ajustou o véu e prosternou-se aos pés do sannyasi.
O Sannyasi deu-lhe a bênção e perguntou:
- Quem sois?
Ela respondeu:
- O meu nome é Kusum.
Nessa noite não trocaram mais palavra. Kusum voltou para 
casa, lentamente, e o sannyasi permaneceu durante longas 
horas nos degraus do ghât. Quando, enfim, a lua emigrou do este para o oeste, o Sannyasi levantou-se e entrou no templo.

Vi todos os dias Kusum vir prosternar-se aos pés do sannyasi.
Quando ele comentava os livros sagrados, permanecia a um canto e escutava-o; quando acabava as suas orações da manhã, ele chamava-a para junto de si e conversava com ela sobre assuntos religiosos. Kusum não podia compreender tudo, mas escutava-o com atenção e fazia esforços para o compreender. Ele dirigia-a e ela obedecia-lhe escrupulosamente. Kusum ajudava o serviço, sempre pronta à adoração de Deus, colhendo flores para a oferenda e indo  buscar água ao Ganges para lavar o chão do templo.

O inverno ia terminar. Os ventos eram ainda frios, por vezes; à noite, a brisa quente da primavera soprava bruscamente do sul e o céu tornava-se azulado; depois dum longo silêncio ouvia-se novamente o som das flautas e a música da aldeia.
Os barqueiros deixavam ir os barcos ao sabor da corrente, paravam de remar e entoavam cânticos a Krishna. Era a primavera.

Nesta altura, perdi Kusum de vista. Havia alguns dias que ela deixara de aparecer no templo, no ghât ou diante do sannyasi.

Ignoro o que se passou então, mas, pouco depois, os dois 

encontraram-se de novo, uma noite, nas escadarias.
Com os olhos baixos, Kusum perguntou:
- Senhor, chamou-me?
- Sim, porque não vinhas? Porque esqueceste, há algum 
tempo, o serviço de Deus?
Ela ficou silenciosa.
- Diz-me o teu pensamento, sem receio.
Voltando o rosto, ela respondeu:
- Senhor, eu sou uma pecadora, faltei ao meu dever de 
adoração.
O sannyasi disse-lhe:
- Kusum, eu sei que a tua alma está perturbada.
Ela estremeceu ligeiramente; depois, cobrindo o rosto com o Sari, sentou-se no degrau aos pés do sannyasi e começou a chorar.
Ele recuou um pouco e continuou:
- Diz-me o que tens no coração; eu te mostrarei o caminho 
da paz.
Ela respondeu com fé e palavras entrecortadas:
- Se me ordena, falarei. Mas receio que não possa exprimirme com clareza. Mestre, certamente adivinhou tudo. Eu adorei um ser humano como a um Deus, venerei-o, e, ao render-lhe este culto, o meu coração transbordou de felicidade. Mas uma noite, eu sonhei que o Senhor da minha alma estava sentado num jardim, estreitando a minha mão direita na sua mão esquerda e murmurava palavras de amor.
A cena não parecia de forma alguma estranha. O sonho desfez-se, mas a sua impressão ficou. No dia seguinte, quando os meus olhos se levantaram para ele, pareceu-me diferente. A imagem que me apareceu no sonho continuava a perseguir-me. Atemorizada tentei fugir para longe, mas a imagem não saía do meu espírito. Desde então, a minha alma não conhece a paz, e tudo em mim se tornou sombrio!


Enquanto enxugava as lágrimas ao mesmo tempo que falava, o Sannyasi martelava convulsivamente, com o pé, o degrau de pedra.
Quando ela acabou de contar, o Sannyasi perguntou:
- Diz-me: quem viste no teu sonho?
Com as mãos juntas, ela suplicou:
- Não posso.
Ele insistiu:
- Deves dizer-me tudo.
Ela contorceu as mãos e interrogou:
- Assim o deseja?
- É teu dever! - respondeu o sannyasi.
Então ela exclamou:
- Senhor, fostes vós que eu vi!
E deixando-se cair no degrau, começou a soluçar profundamente.
Quando sossegou e pôde levantar-se, o Sannyasi disse numa voz meiga:
- Deixarei este lugar esta mesma noite e não me verás mais.
Sabes que sou um sannyasi e que não pertenço a este mundo. Deves esquecer-me.Kusum respondeu em voz baixa:
- Assim farei, Senhor!
O sannyasi murmurou:
- Digo-te adeus...
Sem dizer palavra, Kusum inclinou-se e tocou os pés do sannyasi com a fronte.

E o santo homem deixou a aldeia.
A lua desaparecera; a noite tornou-se escura. Ouvia-se o 
chapinhar da água. O vento soprava furiosamente nas trevas, como se quisesse varrer as estrelas do céu. 
 

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