MAURO SPINATO
De tempos em tempos alguns meios de comunicação mais segmentados trazem à tona uma velha discussão: a boa e a má literatura. Entram na arena, para mais uma acirrada batalha, os exércitos das palavras. De um lado os Guardiões Machadianos, apoiados pelo Clã dos Drummonds. No outro lado da arena a Sociedade dos Novos Coelhos, ladeados pelas Talitas do Twitter. Isso falando-se apenas nas guerras internas tupiniquins.
As agressões vêm de todos os lados. As vanguardas dizem que os Machadianos e Drummonds são múmias empoeiradas em seus sarcófagos, enquanto a velha guarda acusa os Coelhos e Talitas de tentarem acabar com a língua portuguesa.
- Nós somos clássicos.
- Nós vendemos mais.
- Somos eternos.
- Somos populares.
- Estamos na Academia Brasileira de Letras.
- Nós também.
E por aí vai. Velhas fórmulas, clássicos, modernos, Orkut, twitter, MSN, nova linguagem, novo vocabulário, nova escrita. O mundo em evolução e em revolução. Livros, sebos, livrarias, e-books, kindles, e-mails. A palavra em novos substratos físicos e virtuais. Papel, pedra, papiro, monitores, MP 3, 4, 5, 6, 7..., ipod, notebook, e-palavra. Tudo muda rapidamente. O que é bom, o que é ruim? Como saber? Não temos tempo para pensar, decidir. Tudo já está mudando novamente. Porém nesse turbilhão de mídias e idéias, nos constantes furacões que mudam nossos dias e culturas, uma certeza: ler é sempre uma emoção. Deixemos de lado o que é boa ou má literatura. Leiamos. A conjugação ficou esquisita e arcaica, mas quer dizer: vamos ler. Vamos nos emocionar. Vamos imaginar. Produzir em nossas mentes um filme tão bom que cineasta nenhum consegue igualar. Produzir a perfeição, os melhores cenários, os melhores atores, as melhores cenas. Uma só frase desperta nossos neurônios e iniciamos uma fantástica viagem ao mundo do imaginário.
“O gato comeu o rato.”
Imagine esta cena. Como era o gato? Angorá, persa, vira-latas, gordo, magro, fêmea, macho, amarelo, branco, preto, malhado, velho ou novo?
E o rato? Cinza, branco, preto, camundongo, ratazana, do campo, velho, feroz, novo ou medroso?
E o lugar? Onde acorreu? Numa casa, apartamento, na rua, fazenda, lixo, fábrica abandonada ou esgoto? Chovia, fazia sol, neve, frio, calor intenso?
E a cena? O gato correu atrás, lutaram? O rato foi dilacerado, com suas vísceras e sangue esparramados pelo chão? Ou foi apenas engolido, deixando o rabinho a balançar fora da boca do gato, numa típica cena de Tom e Jerry?
Tenho certeza que você leitor, apesar das centenas de combinações possíveis já descritas, tem em sua mente outras tantas que nem ousei imaginar. Enfim, esse é o valor da leitura: imaginar. Criar com a mente, dar asas aos nossos desejos mais secretos. Colocar em cada cena mental a nossa aspiração, utilizar a nossa ética, nosso senso moral, nossos desejos. Colocar em cada cena nossos atos heróicos ou até vingativos que não poderíamos realizar no mundo real. Este é o melhor filme. O filme rodado a partir das letras para a nossa imaginação. Um longo longa-metragem (foi proposital) que em momento algum nos enfastia, nos cansa; onde cenas são criadas e modificadas numa fração de pensamento e os finais, se não nos agradam, podem ser despudoradamente modificados pelo nosso livre-arbítrio.
Prêmio- O Pensador IV da Academia de Letras de Itapema