quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

PAR OU ÍMPAR


A primeira vez que vi Alice Hartmann eu tinha pouco mais que seis anos. Chovia muito e o vento açoitava as janelas do casarão da Geremário Dantas. Encolhida atrás da porta só percebi sua presença quando a mão me foi estendida. Nunca mais tive medo de casarões desabitados e noites de chuvas. Aprendi a contar histórias, sempre digo, devido a uma infância repleta de tardes vazias. Hoje sei que era ela quem as contava. Eu repassava todas: - prodigiosa imaginação, diziam.

Alice Von Hartmann é uma senhorinha. Saia comprida e um coque que as mulheres já não usam. Sabedoria que só as avós possuem. Nem sempre aparentou este ar de nobreza alemã: mesmo em corpo franzino e tamanco nos pés , portava um feixe de lenha com elegância. Por trás de todas as camponesas que viveu , estava sempre presente uma dignidade conquistada. Alice filtrava em suas vidas as melhores qualidades do espírito.


_ Tenho dúzias de coelhos assustados como você.

_ Como cuida de todos?

_ Um dia você vai entender.


Começo a entender aos poucos o mecanismo dos dias. Quantas vezes a esqueci no casarão da Geremário Dantas e diante de decisões importantes pensei em dar um passo atrás. Sua respiração sobre meus ombros, faz-me lembrar que sou forte. Às vezes, o sinal fecha e reporto-me a ela.

_ Preocupada?

_Muito.

_ Você já teve problemas muito mais sérios.

O sinal abre e a esqueço, mas a coragem me segue.

A vida é um livro em branco, história escrita ao vivo e a cores. A caixa do correio pode ter surpresas.

Luísa Ataíde

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

AO REDOR




Nos relata Rosana N. Moreira em História da Música Universal que é quase impossível afirmar aonde começaram as primeiras manifestações musicais. Com certeza a sonoridade nasceu silábica como qualquer comunicação e após a ritimização da sílaba chegamos ao som mais elevado que a fala , que findou-se em harmonia. As primeiras manifestações religiosas usavam a música e a dança como pano de fundo para aproximar-se dos hemisférios inalcansáveis da Magia. Os primitivos acordes estavam no sopro do vento, no murmúrio do rio, no canto das aves. Ao silenciar foi possível perceber, sentir e abrir o leque colorido da audição.
L.A

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O FILHO DO SOL


“Se emites pensamentos negativos,
sejam de ódio, de egoísmo, de inveja ou de orgulho,
endereçados a outra pessoa, as vibrações desse naipe
alteram o fluido cósmico que te envolve,
e o primeiro a absorvê-lo és tu mesmo”
– Miramez -


Auati , assim era chamada toda gente loura que aqui aportasse no tempo da colonização. Numa manhã de 1649 a pequena embarcação tocou a areia da praia e o homem alto, de porte esbelto, cabelos da cor de ouro velho trazidos amarrados para trás, retirou as botas e olhou a extensa vegetação até aonde os olhos puderam alcançar. Abriu a mão ao pequeno curumim que lhe estendia a estrela marinha e sentiu como se estivesse de volta a casa paterna. O velho Pajé da tribo apontava-lhe o lado direito , pois que viu o estrangeiro e o grande espírito das florestas como sombra ao seu redor. Reverenciou o homem branco e a divindade de cura que o acompanhava. Fernando vinha à Terra de Santa cruz por ordem do rei Felipe IV, rei da Espanha . Entendia o rei que a Escola de Navegação de Sagres lançava os grandes comandantes e suas embarcações aos mares sem indagar-lhes a pátria de origem, sendo assim por que dar a Portugal a superioridade de domínio sobre as terras do sul da América?

Contudo, os caminhos que a suprema espiritualidade traçara para o jovem auati passavam longe de desavenças políticas e interesses marítimos. Fernando não teve dificuldades em aprender a língua dos índios e a conviver com eles. Aprendeu todo o segredo das ervas da medicina nativa: o aprendizado era- lhe como canção de infância vindo-lhe aos poucos aos ouvidos. Sabia no íntimo que sempre pertencera àquela terra. Homem de extremada fidalguia e detentor de posses em terras de Espanha, não teve dúvidas em mandar distribuir seus bens entre os mais necessitados e não mais voltar ao país de berço. Para que tesouros, se tinha o doce das frutas, o céu estrelado para admirar em noites claras, a imensidão das matas a fornecer o remédio a todos os males do corpo? Acompanhou o sofrimento dos irmãos vindos da África e de igual forma aprendeu os costumes e a língua dos que fariam um dia a nação Zumbi. Ouvia as lendas dos orixás da chuva, do arco-íris e do vento com imenso respeito, entendendo a interpretação que cada povo que se espalhara no planeta fazia do Criador, tão diferente do que lhe fora moldado no cristianismo de Castela.

Fernando Miramez de Olivídeo aprendeu que a força do pensamento faz a saúde do corpo e que toda dor vem do próprio homem. Dedicou-se ao estudo da saúde espiritual e física e seus ensinamentos espalharam-se em inúmeros livros de mensagens que edificam o aprimoramento do homem em conhecer as respostas simples que a natureza fornece. O Filho do Sol, como fora chamado, nunca abandonou a Terra Brasil. Sua essência vive nas penas dos pássaros, no poder curativo das plantas, na chuva que renova a terra para o plantio do alimento bendito.

L.A
Inspirado no livro Iniciação Viagem Astral- João Nunes Maia, Editora Fonte Nova

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