A primeira vez que vi Alice Hartmann eu tinha pouco mais que seis anos. Chovia muito e o vento açoitava as janelas do casarão da Geremário Dantas. Encolhida atrás da porta só percebi sua presença quando a mão me foi estendida. Nunca mais tive medo de casarões desabitados e noites de chuvas. Aprendi a contar histórias, sempre digo, devido a uma infância repleta de tardes vazias. Hoje sei que era ela quem as contava. Eu repassava todas: - prodigiosa imaginação, diziam.
Alice Von Hartmann é uma senhorinha. Saia comprida e um coque que as mulheres já não usam. Sabedoria que só as avós possuem. Nem sempre aparentou este ar de nobreza alemã: mesmo em corpo franzino e tamanco nos pés , portava um feixe de lenha com elegância. Por trás de todas as camponesas que viveu , estava sempre presente uma dignidade conquistada. Alice filtrava em suas vidas as melhores qualidades do espírito.
_ Tenho dúzias de coelhos assustados como você.
_ Como cuida de todos?
_ Um dia você vai entender.
Começo a entender aos poucos o mecanismo dos dias. Quantas vezes a esqueci no casarão da Geremário Dantas e diante de decisões importantes pensei em dar um passo atrás. Sua respiração sobre meus ombros, faz-me lembrar que sou forte. Às vezes, o sinal fecha e reporto-me a ela.
_ Preocupada?
_Muito.
_ Você já teve problemas muito mais sérios.
O sinal abre e a esqueço, mas a coragem me segue.
A vida é um livro em branco, história escrita ao vivo e a cores. A caixa do correio pode ter surpresas.
Luísa Ataíde
Luísa Ataíde
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