domingo, 29 de dezembro de 2013
EXATAMENTE NESTE INSTANTE
LUIZ MARTINS DA SILVA
Agora, que me entrego pelas vozes do vento,
Endereços de redemoinhos,
Baldeações de aguaceiros,
Cantarolas de goteiras,
Pétalas de Rosas dos Ares...
Eu me apressarei em teus ouvidos,
Pois, bem sei que tens mais conchas,
Do que os teus líricos segredos.
Eu te ciciarei de trinos abafados
Mesmo sendo teu coração vapor de vidraças.
Traços para entrever sol enfumado,
Réstias de templo e de luz,
Contraluz de sombras douradas,
Passado barroco de molduras,
Concerto de cravo, cello
E órgãos de acórdãos imaginários.
Eu te ousarei, uivo de temporal,
Rentes a líquens de nascentes e rochedos,
Musgos, para pousos de murmúrios.
Tão frágil qual minúscula flor de mandrágora,
Tu me dirás se sou ou não,
Louva-Deus para teus preitos e soluços.
Eu me cravarei em ti, libélula farta.
Dardo molhado, de orvalho ruprestre.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
REFLEXÕES
Alguns dias nos remetem aos pensamentos mais simples : o
eco dos risos de infância e a maciez de pisar em capim
úmido. Viver é um maravilhoso presente.
Luísa Ataíde
sábado, 12 de outubro de 2013
DIA DAS CRIANÇAS
LUIZ MARTINS DA SILVA
Cadê
a criança que estava aqui?
O
gato comeu. E ninguém viu.
Cadê
o gato? Foi pra balada,
Bailar
com ela, outros babados.
Cadê
a criança que estava aqui?
O
lobo levou. E foram, tatuados,
Acampar
numa selva de pedras,
Pedras
rolantes, de rios de rock.
Eis
que um dia a criança volta,
Sem
gato, sem lobo, sem grilos,
Com
aquele sorriso de engana pai.
E,
então, você nem fala de insônias,
Só
papo-cabeça de recontar sonhos,
Sonhos
desses de se sonhar juntos.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
ORAÇÕES E BALÕES
LUIS MARTINS DA SILVA
Foi, então, que me deu um fastio
De tanto turismo empacotado,
De tanta zoeira de guias, vendilhões
Saí, a esmo, por estradas incomuns.
Estive a recordar vidas com o vento nas orelhas,
Junto a um humilde oratório esquecido,
Ainda adornado de desbotadas flores artificiais.
Foi, então, que uma lufada mais forte
Trouxe-me a sensação de vozes.
Mas o lugar era árido e estéril.
Juro que uma delas me soprou ao ouvido:
Olha por céu, meu irmão!
Vi, entre nuvens, um buquê de balões.
domingo, 8 de setembro de 2013
AMERICANO VAI À AMAZÔNIA EM BUSCA DE MÃE IANOMANI
WILLIAM KREMMER - BBC, LONDRES
Os pais de David Good, de 25
anos, vieram de países diferentes ─ algo comum nos Estados Unidos, onde ele foi
criado. No entanto, a família de Good está longe de ser típica ─ seu pai é
americano, mas sua mãe é uma indígena que vive em uma região remota da Amazônia
venezuelana. Duas décadas depois de ela ter retornado para sua tribo, David
decidiu reencontrá-la.
Mas após três dias viajando pelo
rio Orinoco, ele adoeceu. O jovem americano havia sido repetidamente mordido
por mosquitos, estava cansado e com sede.
O ar estava úmido e abafado.
Fortes raios de sol refletiam-se nas águas do rio cheio de piranhas, enquanto o
motor do barco impulsionava a embarcação rio acima, cada vez mais para dentro
da Amazônia.
David não era um viajante ou
explorador experiente. A viagem para a Amazônia - que aconteceu em julho de
2011 - era a sua primeira fora dos Estados Unidos desde a infância.
Mas mesmo assim - era o que todos
lhe diziam - as coisas estavam indo bem. Normalmente, os viajantes precisavam
desembarcar com seus pertences e fazer parte da jornada a pé, enquanto o barco
era rebocado pelas corredeiras do Guajaribo com uma corda.
Desta vez, chovia fortemente e o
rio estava mais cheio do que estivera em anos. Então, desviando-se das pedras,
Jacinto, o índio responsável pelo barco, conseguiu atravessar a corredeira.
Horas depois, o barco fez uma
curva e gritos começaram a ser ouvidos das margens do rio. Só poderiam ser de
membros da tribo Ianomâmi - nenhum homem branco vivia naquela área.
"Eles começaram a gritar
'Motor! Motor! ' porque não ouvem motores com frequência", diz David. Ele
esperava vê-los com arcos e flechas, mas vieram desarmados. O boato tinha se
espalhado e a aldeia já esperava a chegada de um barco.
"Eu vi crianças, homens e
mulheres na margem esperando por nós. As mulheres estavam nuas da cintura para
cima, os homens usavam camisetas e shorts."
O antropólogo americano Napoleon
Chagnon os descreveu como violentos; outros acreditam que os índios são
"nobres selvagens”.
Eles tinham vindo da aldeia
Hasupuweteri. Quando David desembarcou, eles começaram a falar rapidamente em
ianomâmi e a cutucá-lo.
"Fui completamente cercado -
todas as mulheres e crianças se amontoaram em volta de mim. Havia tantas mãos
em mim, puxando minha orelha, pegando no meu nariz e no meu cabelo",
relembra. Com 1,60m, David estava acostumado a ser o mais baixo de seu grupo de
amigos, mas agora era mais alto do que os Ianomâmi, um dos grupos étnicos mais
baixos do mundo.
Não era a primeira vez que as
pessoas de Hasupuweteri encontravam nabuh - como eles chamam os homens brancos.
Mas os nabuh que tinham conhecido antes eram missionários, médicos e
antropólogos.
Eles sabiam que David era
diferente - ele não queria salvar suas vidas nem suas almas e não fazia
perguntas estranhas. Queria apenas encontrar sua mãe.
Povo feroz?
Os Ianomâmi vivem em aldeias - há
entre 200 e 250 delas - distribuídas por uma área de 96,5 mil quilômetros
quadrados de floresta na fronteira entre o Brasil e a Venezuela.
Eles são um grupo diverso. Variam
de comunidades relativamente ocidentalizadas, que vivem próximo a missões
religiosas, até aldeias que não têm contato direto regular com o mundo externo
- apesar de trocarem bens com outras aldeias que mantêm esse contato.
A vida nas aldeias se concentra
ao redor de um shapono - uma grande oca oval ou arredondada feita de madeira.
Toda a aldeia vive sob o teto de palha do shapono. As famílias cozinham e
dormem em redes em áreas separadas. É um local para os rituais de troca e
xamanismo, para discussões públicas e até brigas.
Em 1968, o antropólogo americano
Napoleon Chagnon publicou seu livro Yanomamo: The Fierce People (em tradução
livre, Ianomâmi: O Povo Feroz). Um best-seller, a obra descreve a tribo como
propensa a disputas mesquinhas - geralmente por mulheres - que acabavam
resultando em guerras entre aldeias. Ele pintou a imagem de um mundo em que
guerras, estupros coletivos e assassinato eram comuns.
Foi como aluno de Chagnon na
universidade que o pai de David Good, Kenneth Good, viajou pela primeira vez
para a Amazônia, em 1975. Ele viajou pelo rio Orinoco, como fez seu filho, 36
anos depois. E se instalou em uma pequena cabana próximo a Hasupuweteri.
O plano era ficar durante 15
meses fazendo um trabalho de campo, medindo o consumo de proteína animal de
todos os membros da aldeia. O objetivo era colher os dados que Chagnon
precisava para mostrar a seus muitos críticos que as guerras entre aldeias não
estavam relacionadas à escassez de comida e, sim, ao imperativo de aumentar o
sucesso reprodutivo.
Caso de amor
Good pesava cada um dos
macacos-aranha e tatus caçados pela tribo. Os índios riam da situação estranha.
Quando ele explicava que queria saber o peso de cada animal, perguntavam por
que ele não simplesmente os segurava.
Perto do final do período de 15
meses, Good estava ficando fluente na língua Ianomâmi, mas também estava
insatisfeito com o foco limitado da pesquisa que tinha ido fazer.
"Medir os animais e calcular
o rendimento (de proteínas) não era suficiente", ele escreveu depois.
"A coleta e o consumo de comida tinham que ser colocados no contexto cultural."
Para conhecer melhor esse
contexto, ele se mudou para o shapono na aldeia e observou o maior número de
rituais diários que conseguiu. Saiu com os índios para caminhadas, caçadas e
testemunhou ritos funerários. Os Hasupuweteri o chamavam de shori - cunhado.
E Good começou a questionar a
imagem dos Ianomâmi que seu professor, Chagnon, havia construído.
"Ele concluiu que os
Ianomâmi não eram tão ferozes como haviam sido descritos", diz David Good.
"E eu acho que há alguma verdade nisso, porque meu pai acabou vivendo lá
durante 12 anos, e eu não viveria 12 anos com pessoas ferozes, selvagens e
inclinadas a guerras."
"Ele se enamorou do povo. E
se apaixonou por minha mãe."
Um dia, em 1978, o chefe dos
Hasupuweteri fez uma proposta a Good.
"Shori, você vem sempre aqui
nos visitar e viver conosco... estive pensando que você deveria ter uma esposa.
Não é bom para você viver sozinho", disse o índio, segundo o relato de
Kenneth Good em seu livro de memórias In to the heart: An Amazonian Love Story
(Coração Adentro: Uma História de Amor Amazônica, em tradução livre), publicado
em 1991.
No início, Good recusou, mas acabou
aceitando a ideia. "Me peguei pensando que talvez casar ali não seria tão
horrível: certamente estaria de acordo com os costumes deles. De certo modo, a
ideia até se tornou atraente. Afinal, que melhor afirmação poderia haver da
minha integração com os Hasupuweteri?"
Quando ele cedeu, o chefe da
tribo disse: "Fique com Yarima. Você gosta dela. Ela é sua esposa."
Yarima, a irmã mais nova do
cacique, era uma menina alegre. E Good realmente gostava dela. Mas ele tinha 36
anos e Yarima não tinha mais do que 12.
Não houve cerimônia de noivado e
o casamento só foi consumado anos depois. Isso faz parte do sistema Ianomâmi de
noivado infantil, criado para permitir que se formem laços entre as famílias e
evitar conflitos. Yarima continuou morando com sua família, mas ocasionalmente
levava comida para o "marido". E ele passava mais tempo com ela do
que com as outras crianças.
A cada visita que Good fazia à
aldeia, o casal se aproximava e o vínculo entre os dois se tornava mais real. A
tribo começou a tratá-los como marido e mulher, e Good sentia falta de Yarima
quando viajava para fora da Amazônia.
Diferentemente do que acontece
com médicos e psicólogos - cuja conduta é regida por códigos que impedem
relacionamentos com pacientes - não existem regras proibindo antropólogos de se
relacionarem com os objetos de suas pesquisas. Mas muitos questionam se
relações sexuais, por prazer ou para efeito de estudo, são aceitáveis.
No caso de Kenneth Good, não foi
uma questão de pesquisa. Ele e Yarima se apaixonaram um pelo outro. Ela o
chamava, afetuosamente, de Testa Grande. Ele a chamava de Bushika (Pequena).
"Onde está o limite (entre o
certo e o errado)?", pergunta Good no documentário Secrets of the Tribe.
Alguns colegas o acusaram de se
aproveitar da tribo, e até de pedofilia.
A jovem Yamira
Yamira era a irmã mais nova do
cacique e encantou o americano Kenneth Good
Os Ianomâmi não usam um sistema
numérico para somas e Good não sabia ao certo quantos anos Yarima tinha. Em seu
livro, ele calcula que Yarima teria 15 anos quando os dois tiveram a primeira
relação sexual.
Yarima já tivera sua primeira
menstruação e, segundo o costume da tribo, estava na idade de se casar e ter
filhos.
"Estamos sempre tentando
julgar os outros de acordo com nosso ponto de vista, uma visão etnocêntrica",
disse David Good. Ele argumenta, no entanto, que nossos ancentrais não viviam
como vivemos hoje, no mundo moderno. Não havia o período de amadurecimento que
entendemos como adolescência, as meninas se casavam e tinham filhos após a primeira
menstruação.
"Sempre digo às pessoas, meu
pai se casou com minha mãe, mas minha mãe também se casou com meu pai. Foi um
acordo mútuo entre duas pessoas, um casamento baseado em amor, romance e
amizade".
David foi cercado pela tribo
quando desceu do barco porque era famoso. Os Hasupuweteri mais velhos se
lembravam do pai dele e os mais novos tinham crescido ouvindo histórias de que
os filhos de Yarima e Kenneth tinham sido criados no mundo dos brancos.
A mãe dele, os índios explicaram,
estava na aldeia de Irokaiteri, dez minutos rio acima. Mas os índios não
permitiram que David seguisse viagem por barco: ele era interessante demais
para a tribo.
Em vez disso, foi levado para
dentro da shapono. Um rapaz chamado Mukashe, apresentado como seu meio-irmão,
correu pela floresta para buscar Yarima.
Depois de 19 anos de separação,
David teria de esperar mais algumas horas.
Mas voltemos à história do
casamento de Yarima e Kenneth Good.
Amazônia
Apesar de ter se casado com uma
indígena, era impossível para Good viver indefinitivamente na Amazônia.
Ele não podia caçar, precisava de
mais comida do que os outros membros da tribo, de remédios e permissões
especiais para permanecer na região. Isso significa que ele tinha de continuar
seus estudos acadêmicos. Mas obter financiamento para suas pesquisas de campo
era difícil.
E mais importante, toda vez que
ele viajava a trabalho, Yarima ficava em perigo.
Em uma dessas viagens, quando ele
teve de se ausentar por vários meses, Yarima foi estuprada, sequestrada e
espancada por um grupo de ianomâmis. Uma de suas orelhas foi rasgada.
Isso resultou no primeiro contato
da indígena com o mundo exterior à floresta. Good levou-a para a cidade de
Puerto Ayacucho, para receber tratamento.
"Cada aspecto desse mundo
era novo, único e estranho para ela", contou David Good. "Quando você
liga um carro, parece um animal, com os faróis ligados. Ouvi histórias de que
ela costumava se esconder atrás de arbustos".
No hotel onde Yarima e Kenneth se
hospedaram, ele teve de cobrir o espelho com um pano, para que a indígena não
ficasse assustada.
No Amazonas, leva tempo para
caçar e para cultivar alimentos. Comida nunca é desperdiçada, nem recusada. A
pergunta "Você está com fome?" não faz qualquer sentido na tribo,
explicou Good. Por isso, a noção de um supermercado cheio de alimentos prontos
para o consumo, ou de um restaurante onde você escolhe o que deseja comer,
fazia o mundo de Yarima virar de ponta cabeça.
A indígena também tinha medo da
polícia. Quando ela saiu da floresta, em meados da década de 1980, os Ianomâmi
que viviam rio acima tinham ouvido falar da polícia, mas imaginavam que fosse
como uma tribo muito feroz, vivendo em uma única aldeia.
Havia toda sorte de mitos sobre o
que a polícia faria se pegasse você. Uma crença comum era a de que a polícia
comia Ianomâmis encontrados longe da tribo.
Por outro lado, Yarima se adaptou
rapidamente a outros costumes da vida na cidade dos brancos. Gostava de roupas,
de fazer compras. E aos poucos, perdeu o medo de viajar de automóveis, gostava
de carros, motos e aviões. Máquinas extraordinárias como elevadores, por
exemplo, foram aceitas por Yarima como exemplos de magia branca - o antropólogo
escreveu em seu livro de memórias.
Família Good
Yarima teve dificuldades de
adaptação quando deixou sua tribo
Em 1986, quatro anos após o
casamento de Kenneth e Yarima ter sido consumado - oito anos após o início do
noivado -, os dois tiveram de deixar a floresta.
Kenneth não tinha conseguido
renovar sua bolsa para continuar suas pesquisas na Amazônia, endividou-se e
caiu em depressão.
No dia 17 de outubro de 1986, o
casal voou para Nova York e se casou. Nove dias mais tarde, David nasceu.
Sua irmã, Vanessa, nasceu um ano
mais tarde em uma folha de bananeira na Amazônia - durante uma visita da
família a Hasupuweteri. Outro irmão, Daniel, chegou três anos depois.
David disse que tem lembranças
felizes da mãe naquele período. Conta que os dois tinham o hábito de ir comer
donuts e tomar café, que a mãe adorava montanhas russas e brincar de luta.
"Não me lembro de uma mãe atormentada e infeliz, de maneira alguma".
Mas a vida em Nova Jersey não
estava dando certo para Yarima. Não era por causa do clima, da alimentação ou
das tecnologias modernas. O problema era a ausência de contato humano íntimo. O
dia dos Ianomâmi começa e termina na shapono aberta para parentes, amigos,
vizinhos e inimigos.
Em Nova Jersey, o dia de Yarima
começava e terminava em uma caixa fechada, isolada da sociedade. Ninguém,
exceto Kenneth, podia se comunicar com Yarima em sua língua nativa e ela não
tinha meios de se comunicar com sua família na Amazônia.
Kenneth Good escreveu um livro de
memórias relatando suas experiências. O casal foi tema de reportagens em
revistas e jornais. Em 1992, um filme feito pela National Geographic Society
documentou a primeira visita da família à floresta depois de quatro anos.
O filme captura momentos alegres
mas também inclui um depoimento de Yarima sobre a vida nos Estados Unidos.
"Moro em um lugar onde não
saio para catar madeira ou caçar. As mulheres não me chamam para ir matar
peixe", ela explica em sua língua nativa. "Não é como na floresta. As
pessoas são separadas e sozinhas. Deve ser porque eles não gostam da mãe
deles".
Alguns meses após o filme ter
sido feito, em outra visita a Hasupuweteri, Yarima decidiu ficar.
"Eu estava com minha irmã
nos Estados Unidos, minha mãe e meu irmão menor estavam na Amazônia",
disse David. Seu pai foi à floresta buscar Yarima e o filho caçula, mas voltou
apenas com o bebê. Depois de algum tempo, David se deu conta de que a mãe não
voltaria mais.
Yarima pediu a Kenneth que
levasse Vanessa para a Amazônia, para que ela fosse criada na Hasupuweteri, mas
ele recusou. As três crianças foram criadas nos Estados Unidos.
Identidade
David tentou se tornar um típico
menino americano. Jogava baseball, arrumou um trabalho entregando jornais.
Pediu ao pai que - caso alguém perguntasse - dissesse que o filho era de origem
hispânica, não ianomâmi.
Tirava boas notas, mas
intimamente as coisas iam mal. Ele se consumia de ódio pela mãe que o havia
abandonado, mas pensava nela quase todos os dias.
Começou a beber, rompeu com a
namorada, abandonou a escola.
Quando tinha 21 anos, assistiu,
pela primeira vez, ao filme da National Geographic Society do qual tinha
participado aos cinco anos de idade. Ao ver o rosto da mãe e ouvir sua voz,
caiu em um rio de lágrimas.
"Não tem nada de errado com
você. Você simplesmente perdeu sua mãe", disse uma amiga que estava com
ele naquele momento.
"Comecei a compreender por
que ela havia partido e o que ela tinha enfrentado aqui (nos Estados
Unidos)", disse David. "Ela não teria sobrevivido, não teria sido
capaz de ser uma mãe Ianomâmi, de me ensinar a cultura Ianomâmi."
Aos 22, David sentiu que
precisava se reconectar com sua porção Ianomâmi.
Em 2009, com a ajuda do pai, fez
contato com a antropóloga venezuelana Hortensia Caballero. Ela havia conhecido
David quando ele era bebê e conhecia Yarima.
Mas Caballero só conseguiu fazer
contato com Yarima em 2011, quando foi fazer um trabalho perto do território
Ianomâmi.
Agora, a indígena vivia na
comunidade Irokaiteri, que havia se separado dos Hasupuweteri e estava
construindo um novo shapono não muito longe da antiga aldeia.
Para Caballero, é importante que
os Ianomâmi tenham controle sobre suas interações com os nabuh. Ela queria ter
certeza de que a aldeia estava pronta para receber David.
"As pessoas se reuniram na
aldeia que estavam construindo", contou Caballero. "Todos falaram,
especialmente os líderes. Então perguntei a Yarima".
"Sim, eu quero muito ter
David aqui", foi a resposta.
A tribo escreveu uma carta
convidando David, para que ele pudesse obter um visto de entrada na área
protegida - estrangeiros não têm mais permissão de entrar nas reservas.
Kenneth Good, agora com quase 70
anos, ajudou a financiar a viagem e foi com o filho buscar os presentes que ele
levaria para a tribo.
Quando partiu em direção à
Amazônia, em julho de 2011, David sabia apenas duas frases na língua Ianomâmi.
"Estou com fome" e "Meu bumbum está coçando", que ele
lembrava desde a infância.
Reencontro
Depois de três horas de espera,
em alvoroço, Yarima chegou a Hasupuweteri. Ela tinha corrido o caminho inteiro.
Baixa, com 40 e poucos anos de
idade e cheia de vigor, ela carregava uma cesta com as raízes que tinha colhido
na floresta. Jogou tudo no chão, enquanto tentava recobrar o fôlego. A aldeia
caiu em um silêncio eletrizante.
Duas décadas haviam se passado,
mas David reconheceu sua mãe.
"Eu soube que era ela,
imediatamente", ele disse. "Me levantei e me aproximei. E de repente
me perguntei: 'E agora, o que faço?' Queria segurá-la, abraçá-la, mas não é
assim que os Ianomâmi saúdam as pessoas."
"Então foi só esse encontro
desajeitado, coloquei minha mão no ombro dela e ela começou a tremer e a
chorar. Olhei nos olhos dela e também não conseguia parar de chorar".
"Havia um silêncio",
disse Caballero, que tinha acompanhado David na viagem. "O que eu lembro é
do silêncio. Foi muito bonito, um momento muito intenso. Claro que todas as
mulheres da aldeia, e eu, tínhamos lágrimas caindo pelo rosto".
David começou a falar com
suavidade, em inglês. Ele dizia "Estou aqui, finalmente. Estou de volta.
Faz tanto tempo."
De repente, as lembranças dos
anos passados com a mãe na infância começaram a voltar num turbilhão. David ia
dividindo suas lembranças, em inglês, com Caballero, que as traduzia para
Jacinto, o índio que pilotara o barco, em espanhol. Jacinto, por sua vez,
traduzia do espanhol para a língua dos Ianomâmi.
David não perguntou à mãe por que
ela tinha partido. Yarima perguntou se todos estavam vivos, e se estavam bem,
mas os dois não falaram do passado.
"Não me importa o que
aconteceu. Não me interessa a polêmica, ou o que os críticos pensam. Não me
importa por que ela foi embora. Os outros que especulem a respeito disso. O que
me interessa agora é criar um futuro com minha mãe, minha família e o meu
povo", disse.
Em outro momento de emoção
intensa, o tio de David, que era líder dos Hasupuweteri no período em que o pai
de David vivera na comunidade, deu ao sobrinho um nome Ianomâmi.
David e Yarima
David e Yarima logo se
reconheceram
O nome, Anyopo-weh, pode ser
traduzido como "um caminho à volta de um obstáculo".
"Não foi como a situação do
meu pai, que levou anos para ganhar a confiança da tribo até ser aceito".
Na verdade, a nova comunidade dos
Irokaiteri já tinha planos de solidificar o lugar de David entre eles. Pouco
depois do encontro com o tio, a mãe de David trouxe-lhe duas meninas jovens e
bonitas.
"Esta é sua esposa e esta é
sua esposa", ela disse. "Você vai ter filhos com elas". No
início, David achou que o termo esposa estivesse sendo usado de maneira leve.
"Conforme passei mais tempo
na aldeia, ficou evidente para mim que elas queriam seriamente ser minhas
esposas".
David resistiu à insistência da
mãe - e das próprias meninas - para que o casamento fosse consumado.
O objetivo de sua visita não era
apenas se aproximar da mãe, mas compreender melhor o que seu pai tinha vivido
na década de 1970 e 80.
Ele descobriu que, como seu pai,
ele era fonte constante de divertimento para os índios.
Os Ianomâmi não têm noção de quão
diferente pode ser a vida fora da floresta. Muitos interpretam a falta de
habilidades práticas ou linguísticas dos brancos como burrice.
"Eu escorregava nas margens
dos rios, tropeçava nas trepadeiras, batia na árvore errada e as formigas
mordedoras caíam sobre a minha cabeça", contou. "Eles achavam simplesmente
hilariante".
Em uma visita à missão situada
rio abaixo, David conectou a mãe e o pai por Skype.
"Você continua jovem e
bonita", disse Kenneth Good a Yarima. "Você parece velho!", ela
respondeu.
Os ianomâmi não perdem cabelo com
a idade, então Yarima ficou perturbada com a calvície de Kenneth. Ele teve de
correr e pegar um boné para que a conversa pudesse continuar.
David Good com ianomâmis
David passou quatro meses na
Amazônia e fez quatro visitas à mãe
David observou enquanto seu pai
fazia sua mãe rir.
"Pareciam tão à vontade
juntos", disse. "Ficou claro que minha mãe não queria falar do
passado. Ela contou para meu pai que eu estava casado, que eu tinha duas
esposas. E disse a ele que ia me pegar de volta, que eu ia ficar lá. E pediu a
ele que me dissesse para não deixar minhas esposas".
David passou três meses na
Amazônia, mas viajou pela região, fazendo quatro visitas à mãe. Yarima não
entendia por que ele ficava indo e vindo. David não tentou explicar que estava
criando uma organização sem fins lucrativos e que estava fazendo pesquisas na
região.
Ele sabia que, quando partisse
pela última vez, seria difícil.
"Quando você desfaz o nó da
sua rede, aos olhos deles, esse é o último gesto simbólico de que você está
partindo. Assim que desamarrei o nó, vieram as lágrimas."
Yarima ficou inconsolável.
Parecia que ela realmente acreditava que ele se estabeleceria na aldeia para
sempre.
"Vou voltar", eu disse
a ela. "Infelizmente, faz dois anos, muito mais tempo do que eu
gostaria."
David quer que sua organização
ajude os povos indígenas a encontrar seu lugar na economia de mercado, um
processo que, para ele, é inevitável.
Ele disse que indígenas que vivem
em aldeias próximas das missões sofrem para encontrar sua identidade, como ele
sofreu.
"Hoje, muitos Ianomâmi estão
se tornando criollos, estão se tornando venezuelanos. Mas só porque falam
espanhol e usam roupas ocidentais, não deixam de ser Ianomâmi."
“Quem sou eu”? Sou Ianomâmi ou
sou nabuh?
"Os Ianomâmi me veem como um
nabuh e os nabuh me veem como Ianomâmi."
"Hoje me orgulho de ser um
americano-ianomâmi, tenho orgulho da minha herança cultural. Eu amo minha mãe e
anseio estar com ela novamente, aprendendo os costumes Ianomâmi."
David disse que quer criar
vínculos de amizade entre a cultura Ianomâmi e o mundo lá fora - mas do ponto
de vista de alguém que pertence a essa cultura.
"Não sou antropólogo, não
sou político, não sou missionário. Sou um irmão e sou um filho."
sábado, 6 de julho de 2013
A AREIA E O DESERTO
LUIZ MARTINS DA SILVA
Oh! Minha cólera! Escuta-me!
Atina-te, ainda que por um átimo.
Sabias que todos os sábios
reverenciam
O que há de infinito num grão de
areia?
Adia, enquanto é sóbria, a tua pedra.
O que há de grandioso em depredar?
Acaso, não te contentas em contemplar
A magnitude que te reflete no
espelho?
Tua superioridade é tanto quanto
És capaz de se ater ao mínimo encanto
De que o Universo começa numa letra.
Toda a partitura cósmica parte de uma
nota,
Que nunca se repete, desde o pingo da
chuva
Ao enxoval de lágrimas que já o tem
por perto.
quinta-feira, 16 de maio de 2013
ESTAMPAS BARATAS
Luiz Martins da Silva
I
De letra em letra, uma linha;
De linha em linha, uma
quadra;
De quadra em quadra, caminha
A vida bem ladrilhada.
II
Ser poeta é quase tino,
Lida de escrever, fado.
E quem lê tal desatino,
Por certo ganha o que é dado.
III
E se a sorte, num presságio,
Avisa, mora bem perto,
Fortuna há pouco invisível.
Tesouro, agora, entreaberto.
IV
Triste alegria a do verso:
Sincero, fagueiro, carinho.
Chora a criança no berço;
Ri, no adeus, o velhinho.
V
Nem tudo na vida é festa,
Mas, de festa a vida é farta.
Com festa é que a vida
presta,
A vida sem festa é farsa.
VI
Não que do vinho não venha,
Como dizia o ditado,
Verdade que se contenha,
Senão, mentir é verdade.
VII
Ilusão que se definha,
Bem cedo, a vida se gasta.
Quem é sábio não se engana,
Boa sina é a vida modesta.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
COMO FAZER UM BEBÊ
O fotógrafo canadense Patrice Laroche certamente não vai ter problemas para explicar a seus filhos como nascem os bebês.Durante a gravidez de sua esposa Sandra, o artista criou uma série de fotos explicativas intituladas "Como Fazer Um Bebê".O casal realizou seu projeto durante toda a gravidez, com fotos exatamente no mesmo lugar.
domingo, 14 de abril de 2013
ENTRE ASPAS
Do teus lábios emana toda simpatia, de onde nasce a fonte que me
inspira,
ao extrair do fundo do coração a lira,que eu canto dia e
noite, noite e dia.
Osmar de Oliveira Aguiar
sábado, 12 de janeiro de 2013
LAMENTO DO OFICIAL POR SEU CAVALO MORTO
CECÍLIA MEIRELLES
Nós merecemos a morte porque somos humanos
e a guerra é feita por nossas mãos.
PeLa nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra
Por nosso sangue estranho e instável,pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecado
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio, sem Deus nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é minha que enganada
recebes. Não te queixas. Não pensas; Não sabes. Indigno
ver parar, pelo meu teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
-que tinhas tu com este mundo
dos homens?
Aprendias a vida plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...
Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!
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