O rapaz entrou no pequeno banheiro do restaurante e abriu a torneira. Juntou às mãos um pouco de água e lavou o rosto. Quando ergueu a cabeça sentiu que a parede as suas costas girava em sentido horário, mas sua figura embora estática girava no sentido inverso a ela. A luz do ambiente caiu como se subitamente não mais fosse horário de almoço. Manteve-se em posição de vigília, observando. Não mais ouvia o barulho dos garfos na pia de metal da copa ao lado. O silêncio tinha um ruído abafado, como se a imagem a sua frente se projetasse num filme mudo. Agora a outra margem do rio era completamente visível. Observou as folhagens das árvores e as pedras do lado esquerdo. Seu corpo girava como se estivesse numa canoa e o remo tentasse vencer o peso do barco. Não saberia dizer se seu corpo girava ou o espaço do lado esquerdo se aproximava, agora era parte da canoa. Sentiu o cheiro de querosene que vinha do saco encardido sobre o banco do barco. Sentiu a criança deitar a cabeça sobre seu colo: não deveria ter mais de quatro anos. A menina choramingou qualquer coisa, olhou desolado o saco de pano quase vazio. _Mãe, tô com fome, ela disse. A cena era-lhe familiar, como se fizesse parte dela sempre. Usava calças escuras e uma blusa desbotada cobria-lhe o corpo. Tocou o cabelo da criança, tinha a impressão de estar voltando de algum lugar. Não havia na canoa nada além do saco encardido. Talvez estivesse indo, pensou. A luminosidade , contudo, era pouca e não havia casas por perto. Teve a impressão que algumas pedras moviam-se lentamente. O movimento era real, a pedra comprida escorregou ao rio. Conseguia ver-se lado a lado a mulher, mas não sabia definir a distância,. Ás vezes, pareciam um só. Não teve medo, procurou manter-se imóvel. Qualquer movimento, estava certo, o devolveria ao banheiro do restaurante. O coração começou um batimento acelerado. Deixou-se levar rio abaixo, a meia claridade aproximava-se. Não descia o rio, cortava-o em direção à margem oposta. O remo tocava a água continuamente e alguma coisa deixava atrás, bem longe. Ouviu desta vez o barulho de pratos quebrando-se no chão. Fechou a torneira . |
L.A |
quarta-feira, 17 de março de 2010
POR DETRÁS DO PENSAMENTO
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário